Há que tirar ilações da famosa investigação jornalística do “Público” sobre as habilitações académicas do primeiro-ministro, José Sócrates. E, julgo, elas incidem em três pontos ilustrados neste exemplo de “ascensão universitária”:
1 – Continua difundida na sociedade portuguesa (resistindo ao efeito da explosão banalizante no número de licenciados e ao facto de, hoje, uma licenciatura não assegurar ascensão social, nem sequer um emprego) o efeito atractivo do valor simbólico de se ser “doutor ou engenheiro”. É um resquício pacóvio-salazarento dos tempos em que se praticava o culto servil perante os notáveis (por nome, por título, por herança, mais que pelo valor humano e de competência).
2 – Muito do "ensino universitário privado" sempre tem funcionado, desde que existe e se multiplica, como “fábrica de canudos”, em que o aluno paga, e bem, um título para status mesmo que se mantenha canhestro em termos de competências adquiridas. E assim, com honrosas excepções, quem paga caro o “ensino universitário privado” são, por regra, os alunos com baixas notas que sobram do acesso ao ensino universitário público, ou profissionais minguados de habilitações académicas e que são obstáculos a progressões profissionais desejadas. Num caso e noutro, não passam de patologias sociais e académicas. Em vez de complementarem a oferta universitária, este “ensino” criou um próspero nicho de mercado para gente ansiosa por polir status, pagando por isso.
3 – José Sócrates não tinha que ser engenheiro para mostrar as suas (comprovadas e polémicas) competências políticas e como líder governativo. Mas apequenou-se ao sê-lo na forma como lá chegou. E o que arranjou foi que agora, quando se fala de “Engenheiro Sócrates”, fica sonorizado o seu sentido provinciano de gestão do status e o usufruto das misérias do “ensino universitário privado” (para mais, nessa desgraça chamada “Universidade Independente”). Para alguém a fazer pela vidinha, compreende-se. Para quem chefia um governo, é uma nódoa. Pior, Sócrates, ao apequenar-se, encolhe o lustre do governo e do país, mostrando que os estereótipos “sócio-salazaristas” ainda marcam a nossa sociedade a todos os níveis.
[Obviamente que se entende bem o afã e destaque dado pelo “Público” a este caso. Cheira demais a Belmiro mandar que Sócrates pagasse a factura da derrota da OPA. Mas isso não invalida que o trabalho jornalístico feito pelo “Público” cumprisse as regras deontológicas e tivesse saído uma boa peça jornalística. Quem anda à chuva molha-se e o importante é a notícia.]
João Tunes (Água Lisa (6))
1 Comments:
Excelente, mas também temos de compreender que há quem goste de andar à chuva.
9:59 da manhã
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