Não hiberno porque não quero fazer figura de urso.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Abençoada localização

Dizer mal (da localização) de Portugal é esconder com a calúnia geográfica, a preguiça e a incompetência.

“Bunny tinha-me feito prometer que eu não interferiria se algo lhe acontecesse. Havia inúmeras histórias no nosso quarteirão de homens mortos ao tentar proteger as suas mulheres...
... À tarde dois russos entraram no nosso apartamento. Com as palavras ameaçadoras de ‘Frau Komm’, um deles dirigiu-se a ela. Eu estava prestes a interferir quando o outro apontou a sua metralhadora no meu peito. Gritei-lhe: “Foge”, mas isso era, naturalmente impossível.
A minha mulher pousou o bébé na cama e disse-me: “Por favor não olhes”. Voltei-me para a parede.
Depois dos russos terem trocado de lugar, quando saíram, bateram-me amigavelmente no ombro e disseram: “Não ter medo. Russki soldat gut.” (de ‘götterdämmerung’: “A queda de Berlim”)”.


“Açúcar, manteiga, carne, pão, tudo pertence ao passado. Se ao menos pudesse arranjar algumas batatas... Alguém chegou à cave com a feliz notícia de que tinha caído um cavalo lá fora ... Ainda o animal estremecia fazendo rolar os olhos e já as primeiras facas e canivetes eram espetados no corpo. Cada um retirava fatias de carne onde começara a cortar. Conservadas em vinagre, foram o meu único alimento durante dias...

Mais tarde limpei o meu apartamento apagando para sempre os vestígios no soalho das diárias visitas dos russos: o cuspo, a graxa das suas botas e os resíduos de esterco de cavalo.
Nas ruas ossos fracturados atravessam as calças dos civis; por todo o lado poças de sangue ainda quente, homens velhos cansados e abandonados a sangrar até à morte e nem um farrapo para lhes ligar as feridas...” (de “Uma Mulher em Berlim”).


A extremidade europeia poupou isto a Portugal. Bem como o bom senso do prof. Oliveira Salazar apagando com a sua prudência a fogosidade do caudilho espanhol. Muito bem aqui o Salazar, como mal em outras coisas.

Hoje (economicamente), tal como no passado (politicamente), a localização portuguesa tem muitas vantagens. A meia dúzia de horas de vôo dum espaço (EUA), com 60 vezes o poder de compra português; 700km de costa marítima; na intersecção das rotas do Norte de África, Sul da América do Sul e centro da Europa.

Usar a localização como pretexto do atraso português é esquecer que a Irlanda é uma ilha (PIB per capita mais do dobro do português); a Letónia irá passar Portugal em 2013; a Islândia (perdida no Atlântico Norte), tem um PIB per capita superior ao português em 79%; e nos antípodas, a Nova Zelândia, no meio do nada, tem um PIB 36,5% maior; etc.

Dizer mal (da localização) de Portugal é esconder com a calúnia geográfica, a preguiça e a incompetência. Ou, se preferirem, fazer o mal e a caramunha. A Portugal. Que merece mais. O problema não é as instalações. O problema é o comportamento de alguns inquilinos.

Jorge A. Vasconcellos e Sá